sábado, novembro 10, 2007

Basta uns óculos de sol

Pedi a mim mesma para sair do fundo do mar e vir á superfície encher os pulmões. Quando cá cheguei o sol bateu-me abruptamente nos olhos, ofuscando-me e magoando-me. Os olhos ardiam e deitavam lágrimas, a cabeça doía. A luz do dia, tão natural, tão real, magoava-me. A realidade, a normalidade das coisas magoavam-me. No entanto o ar era tão puro e os meus pulmões sentiram-se tão livres que já não voltei lá ao fundo. Saí sem me despedir. Nadei incansavelmente, como se estivesse a fugir. O que irão pensar os peixinhos? Hum… eles têm memória curta, esquecem rápido de mim. Nadei para terra. As milhares de sensações de liberdade invadiram-me o espírito. Como me pude esquecer disto? De tudo isto? Das cores, da alegria, dos sons. No entanto a luminosidade ainda me fere os olhos de vez em quando e me faz chorar, e alguns sons misturados, são tão ferozes nos meus ouvidos, que fazem a cabeça latejar. Tantas viragens, tantos sintomas… mas eu continuo a ser eu, aqui… ou no fundo do mar. Só tenho é de comprar uns óculos de sol.

As noites

Sai daqui. Sai! E tu? Que estás a fazer aí especado? O Quê? Não! Não faças isso. Estou farta de correr, não aguento mais, as pernas estão a latejar de dor, estão a desfazer-se. Olho, estão vermelhas e quentes. Não consigo passar aqui. Não me empurres! Estou farta de labirintos. E vocês aparecem-me assim do nada, e desaparecem da mesma forma. Que me queres dizer? Não te ouço. Corro para te ouvir, procuro algo que não sei o que é. Estou cansada, exausta. Quero sair daqui. Tenho de sair daqui. Sinto-me sufocada, algo me prende. Sensação estranha de estar a flutuar, de não ter ar para respirar, de não ter voz. Não páro de correr, de fugir, agora estou a fugir. Fujo, extasiada e assustada ao mesmo tempo. Tenho pânico a sair pelos olhos, quero correr mais, quero sair. Tenho de acordar, tenho mesmo!
Mais um sonho. A cabeça a latejar, a tensão muscular no pescoço, a garganta seca, o sonho ainda tão real na cabeça. Levanto-me ainda atordoada. Cansada de pensamentos. Tão confusos mas com imagens tão reais. Perco-me uns minutos a tentar interpretá-lo. Em vão. Mais um dia que me vou lembrar do sonho o resto do dia. Mais um dia em que as imagens me vão assaltar a memória. Labirintos enormes, que me assustam, e me puxam a curiosidade, com tesouros ou segredos que nunca descubro. Pessoas desconhecidas que surgem com mensagens imperceptíveis. Acidentes de viação brutos, que me arrastam para pancadas violentas, vidros partidos, sangue, barulhos de alarmes, sirenes de ambulância ou policia, vidas perdidas, locais desconhecidos, presenças questionáveis que acordada interpreto como testemunhas de momentos fortes. Vezes, tantas, em que te perco. Tantas vezes já fugiste da vida aos meus olhos, e as últimas palavras são sempre minhas, que tu nunca ouves. Mais um sonho contigo. Fico com a cabeça a palpitar o resto do dia. Eléctrica e instável, longe da terra. Mais um sonho que me deixa inquieta. Nervosa, repentina, com respostas directas, sem pensar. Acordar e pensar “epah que estúpida” já é rotina. Por vezes engraçado, mas na maioria um tormento. Acordo a chorar, ou com o coração a mil, sufocada, cansada. Sempre atormentada. Presenças indiscretas, das quais fujo no dia-a-dia, mas que me perseguem nos sonhos A mistura de temas e personagens, levam-me a medos permanentes. Os meus maiores medos são representados de forma tão drástica, sendo mesmo surreal. No entanto acordo angustiada por pequenos fragmentos de verdade. . A impotência e a falta de controlo nos sonhos enervam-me logo pela manhã. A correria de todo um sonho vira-me o dia do avesso, ás vezes tanto, que vivo a dormir, e durmo acordada. Hoje é mais um sufoco, um nó na garganta, um turbilhão de pensamentos, uma dormência muscular, um sabor amargo na boca… faz-me chegar á cama e implorar secretamente:
Hoje não apareças…

Tu

A angústia grita,
Desespera,
Salta cá para fora.
Vomita-me as palavras
Que te dei,
E vai-te embora.
Foge do mundo que te magoa
E não piores a situação,
Pois já não o consegues compreender.
Nem o meu coração já te perdoa,
Já não nos conseguimos entender.
Sai e volta ao caminho,
Ao teu, sem mim,
Volta que ainda vais a tempo
E ainda há memórias boas.
Volta para o momento
Em que ainda amavas as pessoas.
Sai e volta ao caminho,
Ao teu, sem mim…

Muito me contas

- Fogo estúpido do homem ainda estava a refilar.
- Que foi?
- Foi o parvo que parou porque quis e ainda estava com gestos “Vá passem lá!”
- Oh! Eu não passava. Eu é que não reparei, se não, não atravessava e deixava-o ali especado até ele ter de arrancar de novo. Não “éi”?
- “Éi” – Riu-me desta bela atitude.
Muito me ensinas tu. Nunca dás muitas confianças, os outros que se rebaixem á sua mera condição de “pessoas”, e que não se armem em parvas. Assim está sempre tudo bem.
E as histórias? O senhor que comeu tanta papaia (ou será mamão), que ficou a lançar pevides para o tecto. Os japoneses com os seus rituais e a sua língua estranha, que nas tuas histórias mais parecem criaturas do circo a fazer-me rir. Os macaquinhos de certos navios, com a sua língua que não é português nem é crioulo, “que não é nada, sim porque aquilo não é nada”. As tuas expressões em voz alta em pleno centro comercial só para ouvires a mamã dizer “oh fala baixo”, eheheheh…. Espremes o ridículo das pessoas, e expões de uma forma tão espojada que fazes toda a gente rir á gargalhada. E o teu ar durão que se baseia numa postura forte e imperialista desfaz-se quando dás um pequeno sorriso que faz toda a gente tremer, sem saber se se podem rir, ou é melhor ficarem quietinhos. Nunca me esqueço de uma bela noite que me levaste a mim e a mais dois amigos á porta do “Queens”. Eles iam lá atrás muito quietinhos, cheios de respeito tentando adivinhar se tu eras daqueles pais “mauzões”, e eu cá á frente a gozar o prato. Nisto no rádio começa a tocar uma música conhecida. Os três cantarolámos o refrão. Nisto com uma voz muito grave e de ar muito sério disseste: “Oh! Este rádio agora transmite em estéreo?”. Fez-se logo silêncio, e foi-se assim até ao destino. Quando saímos, e tu foste embora a primeira pergunta que a Inês fez foi “Achas que o teu pai ficou chateado?”, não percebi a pergunta, ao que ela explicou “por estarmos a cantar”. Eheheheheh
E as aulas de Inglês? Ai as aulas de inglês. As explicações de matemática trocavam-me sempre, mas como gostava, até fazia um esforço para perceber essa nova matéria que me explicavas, e que nenhuma professora ou livro ensinava. Chegava-se ao mesmo resultado, mas em vez de ser por equações já decoradas, era por decomposição e explicações do “isto que vai dar àquilo”, e muita lógica… a matemática verdadeira. A que tem mesmo piada, e que só a professora da faculdade exibe em quadros imensos de letras, não sabe é explicar como tu. Lembro-me uma vez, acho que no 7º ano, levar um exercício feito para a aula, que me ajudaste a resolver em casa. Toda contente ofereci-me para ir fazer ao quadro, e depois de escrever tudo direitinho no quadro, a professora olhou e sorriu e alguém disse “Professora isso está mal, eu não fiz assim.” Ela levantou-se e perguntou ao pé de mim para poucos ouvirem, “Fizeste isso sozinha?”… corei e respondi “Não, pedi ajuda ao meu pai”. Mais uma vez sorriu e disse á turma “Não está mal, está certo, pode-se dar várias voltas. Vai-te lá sentar, está bom. Agora vou explicar da outra maneira”. A partir daí, confesso, das outras vezes que me ajudaste, tentei depois fazer como a professora ensinava na aula. Até ao 10º, em que a magia da matemática desapareceu e lá assumi de novo os teus ensinamentos como valiosos.
Mas onde andava eu? Ah! Nas aulas de Inglês. Ai essas aulas que tanto faziam rir a mamã. “ Não é tumórrrrrooouuu! Sopinha de massa.”. Quando trazia uma negativa para casa, e tu estavas cá, ouvia a minha mãe dizer “Vai lá rever o teste com ela, para veres o que ela está a falhar”. Ui! Até tremia. “Vamos lá ver essa “jana” então!”. Eheheheh.
Mas o ler é que era o drama. Jesus! A cada três palavras ouvia “Mariana lê lá isso como deve de ser, enrolas isso tudo pah!”. Os anos passavam-se, o Inglês complicava e a minha mãe dizia, “pede ajuda ao teu pai”, e eu muito rapidamente me safava “não deixa lá, eu consigo”.
Também não me esqueço das horas, em que em 15 minutos me ensinaste tudo, e passaste o resto da noite a perguntar “ E agora, que horas são?”. E da bicicleta, que peguei nela, tu apoiaste-me durante uns minutos, quando largaste andei á roda, dei uma data de voltas sem cair, e tu todo contente. Logo a seguir, montei a bicicleta de novo, pensando que já sabia andar muito bem, e pumba, caí para o lado. “Oh! Então? Ainda agora estavas aí toda lampeira a dar voltas, e agora cais sem mais nem menos?”
Muito me ensinas tu… muito me ensinas!